segunda-feira, 15 de janeiro de 2018

NELSON PIQUET







1986 - Aos 34 anos, completados exatamente no dia do Grande Prêmio da Áustria, domingo passado, Nelson Piquet Souto Maior detesta duas coisas: dar entrevistas exclusivas e, principalmente, falar de sua vida particular.

Tido como um sujeito mal-humorado, na verdade é apenas introvertido. Reservado com os que tentam dele se aproximar mais intimamente, Piquet, entretanto, adora fazer piadas e satirizar todo o esquema da milionária FÓRMULA 1. Corajoso nas opiniões, jamais simula. É direto e mordaz.

Bi campeão mundial em 1981 e 1983, é considerado pela maioria da imprensa especializada como o melhor piloto da atualidade.

Não se afeta com os elogios como também não liga para as críticas que recebe. Já foi bi campeão do "Troféu Limão", uma eleição feita entre jornalistas que cobrem a temporada do automobilismo para premiar o piloto mais antipático da Fórmula 1. Mesmo assim, costuma suportar uma hora inteira de perguntas nas conferências de imprensa que se seguem aos grandes prêmios. Responde sem rodeios, solta sonoros palavrões sem a mínima cerimônia.



Há um comentário geral de que Nelson Piquet mudou, que hoje é um tipo bem-humorado. Por que essa mudança?

PIQUET - Não aconteceu nenhuma mudança, sou o mesmo. Apenas não tolero que se metam na minha vida particular. Podem me pichar profissionalmente, mas não deixo invadir minha privacidade. Quem tenta leva patada. Quer um exemplo prático? Passei oito anos sem brincar um Carnaval e, neste ano, só porque fui a um baile no Rio de Janeiro, os jornais inventaram mil romances com metade das atrizes que estavam lá. Eu me fechei, particularmente. Agora sobre automobilismo falo à vontade. Pode me perguntar tudo.

Quer saber sobre as fofocas da equipe, da política da Williams? Eu falo.

Então vamos lá. Houve boicote contra você e a favor de Nigel Mansell?

PIQUET - Sim, muita sacanagem. Patrick Head, projetista e chefe da equipe, foi contra minha ida para a Williams. Ele queria provar que poderia ser campeão com seu protótipo e com um piloto que ainda não tivesse um título. Provar o que todo o mundo já sabia: que o carro é o melhor da F1.

E é?

PIQUET - É. Mas alguém teria de guiar, provar na pista as teorias do projeto.

E quando sentiu essa má vontade?

PIQUET - Já no Grande Prêmio do Brasil, quando ele se encarregou do carro de Nigel e escalou o Frank Dernie, segundo engenheiro e seu subordinado, para trabalhar comigo.

Frank Dernie é um cara competente, mas não tem a iniciativa de Head, o responsável pelas inovações e testes. Estranhei aquela atitude, achei que viriam mais coisas pela frente, e fiquei com o pé atrás.

E o que ocorreu depois?

PIQUET - A sacanagem continuou. Em Jerez, no Grande Prêmio da Espanha, deram toda a atenção para o carro de Mansell. Não chiei, mas esperei a hora de dar o troco. Quando veio a corrida de Monte Carlo, quiseram me tirar o carro reserva. Aí chamei Head para um papo particular, mostrei meu contrato de primeiro piloto, com prioridade sobre o segundo carro, e mandei ele "tomar no cu" diretamente.

E essa atitude não aumentou o atrito entre você e o chefe da equipe?

PIQUET - Claro, e piorou também com o Mansell.

E agora, como está o relacionamento?

PIQUET - (com ironia) Uma maravilha. Eu não falo com o Mansell, traço minha própria tática de corrida e fico gozando os dois. São uns babacas. não dou a mínima informação. Só falo com Frank Dernie, mesmo assim forneço duas ou três opções e guardo a quarta para mim. Lá dentro da corrida é que eu digo o que eu vou fazer. Falo pelo rádio com Dernie.

Por exemplo: em Hockenheim tínhamos combinado que eu pararia em tal volta para a troca de pneus. parei três antes e resolvi fazer outro pit-stop para trocar os pneus. Fundi a cuca deles (abre um sorriso). Depois, no final da corrida, bati nas costas de Head e pedi desculpas se, porventura, eu tinha confundido o piloto dele, por ter feito as duas paradas.

Mas essa atitudes não pioram o ambiente?

PIQUET - Não me preocupo. Foram eles que escolheram esta forma de agir. Eu topei. Vamos ver quem tem mais jogo de cintura.

Na Hungria, Mansell andou na minha frente nos cinco primeiros treinos. No último, no sábado, dançou. Larguei na frente.

Ele está com muita sorte... Roda, como aconteceu na Bélgica, e ainda ganha a corrida. Em Hockenheim chegou em terceiro porque as McLaren ficaram sem gasolina. Na Hungria, errou três vezes e ainda fez outro terceiro. Tudo isso porque o carro é bom, permite estas barbeiragens.

Você considera Mansell um bom piloto?

PIQUET - Este ano ele está andando bem. É o maior adversário porque tem um carro igual e tem o protecionismo de Patrick Head e de toda a inglesada que quer vê-lo campeão.

Quem fez quetão de contratar você foi Frank Williams, dono da equipe. Como é que ele vê este tratamento?

PIQUET - (irritado) Não vou me queixar para uma pessoa que está presa a uma cadeira de rodas, que tem um problema infinitamente maior que o meu. (Frank Williams sofre um acidente de automóvel no início do ano na estrada Paul Ricard - Bandol, quando a Williams fazia testes no circuito francês.) E depois eu não vou ficar choramingando. Vou à luta. Quem puder mais chorará menos. Dá até mais prazer topar esse tipo de briga.





Mas, mesmo com você subindo no pódio em todas estas corridas da fase européiaa, com duas vitórias seguidas, Alemanha e Hungria, esta política continua?

PIQUET - Sim. Veja, por exemplo, o programa de testes. Só sou escalado para fazer os testes de motor, enquanto Nigel faz os do carro. Isso me prejudica porque fico atrasado nas inovações, aprendo pouco sobre o chassi. Dei bronca e, então, fizeram uma mudança: Mansell testa duas vezes o carro e uma vez o motor, enquanto eu faço um teste de carro e dois de motores.

Se Nigel Mansell saísse da equipe, como ameaçou ir para a McLaren ou Ferrari, seria melhor para você?

PIQUET - Seria. Se tivesse se comprometido com outra equipe, o interesse da Williams em me fazer campeão seria outro.

Mas o babaca pediu alto demais, fez exigências absurdas, depois abriu as pernas, e resolveu ganhar o que a Williams lhe ofereceu. Mas no fundo já estou gostando desta guerra.

Esta oposição aumenta sua vontade de ganhar o título?

PIQUET - Na Fórmula 1 a gente sempre quer vencer. Mas desta vez vai dar mais tesão "deixar ele na poeira".

Mudando um pouco de assunto, como você está vendo a fase atual da Fórmula 1?

PIQUET - Uma maravilha. Se mudarem, estragam.

E essas trocas de pneus: não se arrisca a perder uma corrida ou posições com estes pit-stop?

PIQUET - Acho ótimo. Dá chance de a gente usar mil truques. A F1 é cheia de macetes e, com essas paradas, pode-se usar a imaginação, confundir o inimigo.

Mesmo dentro da própria equipe ?

PIQUET - Principalmente. Ultimamente, tenho-me divertido vendo os gringos tentarem adivinhar o que a gente vai fazer. Já te disse, dou algumas opções a Frank Dernie, mas jamais abro o jogo totalmente. No Grande Prêmio da Hungria, combinei que ia parar na volta 26, mas, como achei que o carro estava ótimo, retardei a parada por dez voltas. Isso é muito bom (risos): faz eles baixarem a bola.

Mas com todo esse jogo político não poderia haver um boicote técnico?

PIQUET - Não confunda. Ninguém vai botar uma peça defeituosa ou usar de um expediente sacana para me tirar da corrida.

Simplesmente sou preterido por Patrick Head, que não engole minha vinda para a equipe. Pior para ele, que tem de me aceitar de qualquer forma.




Também se comenta que você não tem bom relacionamento com Ayrton Senna. Por quê?

PIQUET - Eu não conhecia Ayrton Senna antes de vir par a Europa. Eu tenho minha vida, meus hobbies. Só porque somos brasileiros deveríamos ser amigos? Não tenho nada contra nem a favor.

E Ayrton Senna piloto. Qual sua opinião?

PIQUET - É magnífico. Um ótimo piloto. Um cara que arrisca tudo, até demais. Se você perguntar a qualquer outro piloto, vão te dizer a mesma coisa.

Muitos, porém, temem que ele seja ousado demais e esteja sujeito a dar uma cacetada a qualquer momento.

Na Fórmula 1 a gente está sempre aprendendo. Nunca se sabe o suficiente. O perigo maior para um piloto é pensar que já sabe de tudo.

Por que você nunca teve muitos amigos na Fórmula 1?

PIQUET - Porque aqui cada um cuida de sua vida. Só nos vemos nas corridas. Existe um relacionamento meramente profissional e competitivo. É cada um por si, estamos sempre tentando levar a melhor sobre os outros. Claro que tive amigos.

Lauda foi um. Gostava do Niki, um cara tri campeão mundial que sabia de tudo, não esnobava ninguém. Como é que eu vou ser amigo dos franceses?

Prost é cheio de frescura, Keke, muito confuso. Imagine anunciar, no meio da temporada, que vai deixar de correr. Isso é coisa de cantor. Pura bobagem.

Agora gosto, por exemplo, de Stefan Johansson, um cara simpático. Mas como é que vou conversar com Renè Arnoux? Um panacão, QI de 12, eu acho.

O que você achou de a Honda abandonar a exclusividade de seus motores com a Williams e cedê-los, também, à Lotus?

PIQUET - Muito ruim. Na verdade, a Honda comprou a Lotus. Senão, como poderia garantir a permanência do Ayrton; que foi hábil em forçar que a Lotus fizesse o negócio e manter Gerard Ducarouge como projetista e outras exigências.

Mas acho que será ruim para os dois times. Vai haver pouca concentração. Vai, enfim, dividir.

O motor Honda é, realmente, o melhor da Fórmula 1?

PIQUET - Sinceramente o Williams é o melhor carro da Fórmula 1, atualmente. Disso tenho certeza. Talvez o motor Honda seja mais econômico, mas não há uma vantagem tão acentuada. Não existe tanta supermacia. Claro que é um motor competitivo, mas não o milagre que dizem.

Por que você deixou a Brabham no final do ano passado e foi para a Williams?

PIQUET - O que mais pesou na decisão foi o carro. Eu sabia que o novo Brabham iria precisar de, no mínimo um ano para se tornar competitivo. Também tinha certeza de que o Williams seria perfeito. Uni as duas coisas: ganhei um carro melhor e fiz um contrato mais compensador.

E então por que Bernie Ecclestone, dono da Brabham, apostava que você não sairia?

PIQUET - Isso faz parte do meu jogo. Como todo mundo sabia que Niki Lauda ia parar, levantamos o boato de que eu iria para o lugar dele na McLaren. E, enquanto Bernie discutia com Ron Dennis, eu me acertava, na moita, com Frank Williams.

Então se considera um bom negociador fora das pistas?

PIQUET - Para se conseguir um bom carro tem de se mostrar serviço na pista. Eu hoje tenho o mesmo prazer de pilotar como tinha quando iniciei. Por isso, para lutar por aquilo que almejo, quero um carro competitivo e brigo por ele.

E essa filosofia que não o deixa intimidar-se pela oposição de Patrick Head?

PIQUET - Bobagem. Até acho que vou poder proporcionar o prazer de dar o campeonato a ele. Mas, se chegar lá. E estou lutando por isso, serei muito mais exigente. Meu contrato termina em 1987 e, para renovar, vão ter de rebolar.

Em sua opinião, quem são os melhores pilotos da Fórmula 1?

PIQUET - Senna, Prost, Rosberg e Mansell, que este ano está andando bem.

Bom, para quem é acusado de mal-humorado, já falei bastante. Demais.

Para terminar, moro em Monaco, tenho um barco e um avião. Fim.